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5.

Consulta
Algumas vezes nossos caminhos não são traçados
Por nossas atitudes.

Chegando ao consultório do Doutor Jair me sento no sofá e começo a folhar uma revista qualquer, só para ver se o tempo passa mais rápido e para poder sair correndo para o mais longe possível do cheiro hospitalar que já me deixa doente. Nunca me senti confortável e não iria ser agora que começaria.

  – Luna Prado... – Ouço Fabiana, a secretária me chamar, então levanto a cabeça e a olho distraída. – Pode entrar, por favor.

  Aceno com a cabeça e lhe dou um sorriso tímido antes de me levantar e entrar no vasto corredor. Mal havia dobrado a direita e vejo Jair parado na porta me esperando.

  – Quanto tempo. – Diz apertando minha mão firmemente. – Achei que não voltaria mais para outra consulta.

  Bem que eu gostaria, penso enquanto ele gesticula para que me sentasse.

  – O que a traz aqui hoje?

  – Minha mãe. – Respondo pouco à vontade. – Mal havíamos colocado o pé em Rovena quando descubro que ela já havia marcado uma consulta.

  – Nada que não fosse esperado. – Ele rebate educado. – Mas me diga como se sentiu nesses dois meses.

  O observo pegar o bloco de anotações que tanto me irrita ainda mais por não saber o que está escrito ali... Talvez nunca saiba.

  – Muito bem. – Respondo tentado transmitir tranquilidade. – A propósito parei de tomar os remédios para insônia e calma.

  O vejo semicerrar os olhos me analisando, mas sem desmanchar o ar confiante e sério que tanto me deixa desconfortável.

  – E houve alguma alteração? – Pergunta, mas antes que possa responder ele prossegue. – Não deveria ter parado de tomar os remédios sem o meu aconselhamento e sabe disso. Você não é mais uma criança Luna.

  – Eu sei e por não ser mais que tomei essa decisão, que no caso me fez muito bem. – Rebato sem perder a confiança. – Cheguei a pensar que o senhor estava me drogando. – Dou uma leve risada para descontrair o ambiente, mas vejo seu maxilar serrar de leve.

  Eu sabia, penso.

  Já havia pensado sobre o assunto por muito tempo por isso decidi parar de tomar os remédios para ter certeza sobre isso. Sempre achei os remédios fortes demais e sempre me sentia entorpecida depois de tomá-los, era como se apagassem os meus sentidos me deixando vulnerável e até mesmo tonta.

  – Você e sua imaginação. – Ele ri de leve, mas vejo a tensão passar por seus olhos. – Mas voltando à parte que interessa: Teve alguma alucinação ou sonambulismo nesses dois meses sem remédio?

  Tento não me remexer na cadeira e nem desviar o olhar para dar a entender que estou prestes a mentir mais um pouco. Então prossigo o olhando com firmeza e acreditando na minha mentira como se ela realmente fosse real, talvez até mesmo palpável para ficar muito mais fácil prosseguir com a encenação.

  – Não. Na realidade nunca me senti tão bem. – Sorrio levemente. – Foi à primeira vez desde a minha infância que consegui deitar a cabeça no travesseiro e não ter pesadelos ou alucinações.

  – Isso é uma ótima notícia. – Exclama satisfeito logo depois sorri. – Significa que você já conseguiu superar os traumas passados e isso não afeta você como afetava antes. – Ele dá uma pequena pausa. – Mas antes de chegarmos a qualquer conclusão final gostaria que viesse mais vezes, só para garantir que não vá ter uma recaída ou que eles voltem com mais intensidade.

  Evito respirar fundo e mostrar desconforto sobre isso.

  – Será realmente necessário, doutor?

  – Sim, venho a tratando há doze anos Luna não posso permitir que todo esse trabalho seja desfeito por um equívoco.

  – Um equívoco? – Pergunto enquanto me ajeito na cadeira.

  – Sim, pois acho que está mentindo para mim. Conheço você. Quase como se fosse seu pai. – Ele me examina novamente seus olhos castanhos claros me sondando.

  Percebo como ele parece mais velho devido aos cabelos grisalhos e o porte alto e magro. De certa forma ele parece muito charmoso e bonito se não fosse pelo fato de me causar náuseas ainda mais depois dessa última frase.

  Quase como se fosse meu pai? Era só o que me faltava, penso.

  – Sei que parou de tomar os remédios, nisso acredito, mas duvido muito que as alucinações e o sonambulismo tenham parado subitamente.

  – Por que acredita nisso, doutor?

  Começo a sentir um gelo crescer na boca do estomago e se espalhar pelo meu corpo causando arrepios desconfortáveis.

  – Por que os remédios eram fortes de mais e a desintoxicação deles é demorada, claro que em dois meses não há mais resquício nenhum em seu organismo. Isso significa que tudo voltou e irá se intensificar cada vez mais. – Responde e me olha preocupado fazendo com que sinta que nenhum sentimento relacionado a mim é verdadeiro vindo da parte dele. – Então preciso ter certeza de que conseguimos combater esse lado obscuro da sua vida e seguir sem os remédios, ou voltar para eles com dozes maiores pelo menos até conseguir controlar seu subconsciente.

  Engulo em seco.

  – Acho que não precisarei mais tomar os remédios. – Rebato. – Mas concordo em ficar em observação por um tempo só para tranquiliza-lo e a minha mãe.

  Ele concorda com um aceno de cabeça e prosseguimos com a consulta normalmente. E quando finalmente terminou, pego o primeiro ônibus que vejo, quando passa na parada, de tão indignada que estou. Acabo parando uma rua antes de chegar ao Lago Cristal, começo a andar com o pensamento distante tentando achar um modo de chegar a alguma parada ou loja para descobrir como se sai daqui.

  Dobro a rua e avisto o belo lago, meus olhos são tomados pela beleza desse lugar que poucas vezes vim com Valentina quando era pequena. Sinto uma pontada no peito e afasto as lágrimas para longe deixando meus olhos captarem cada detalhe.

  O lago é extenso e ao seu redor é coberto de árvores altas, algumas com o tronco largo e casca grossa, outros finos e de folhas escuras dando um contraste com a grama verde clara. Ando até um banco de madeira e me sento olhando a água verde e os patos brancos nadarem perto da beira. Ao lado direito do lago há uma vasta floresta e do outro, apartamentos chiques da classe alta da cidade.

  Volto minha atenção para os patos tentando esquecer a consulta anterior com o doutor Jair e das futuras vezes que terei de voltar lá. Mas o que mais me preocupa é o fato das alucinações não terem parado, não depois de ouvir a risada de uma criança que não estava lá a algumas horas atrás.

  Jogo a cabeça nas mãos deixando meus cabelos longos e castanhos formarem uma barreira em torno de mim, uma cortina para me esconder do mundo. Mas antes mesmo de ouvir uma voz me surpreender já havia sentido o gelo misturado com estatística sobre minha mancha.

  – O que está fazendo aqui?

  Viro-me assustada e vejo Duncan apoiado no encosto do banco. Ele tira os óculos espelhados e me examina presunçoso e com um sorriso cafajeste nos lábios.

  – O que você faz aqui?! – Pergunto espantada e me levanto do banco para tentar ficar com uma altura relativa à sua. – Você está me seguindo é isso?

  Duncan ri alto.

  – Eu não, mas parece que você que está me seguindo. – Rebate e se senta no banco esticando as longas pernas até alcançarem as minhas que estão a sua frente. – Tudo bem, sei que sou irresistível, mas não precisa ficar desesperada ao ponto de vir até minha casa.

  Arregalo os olhos para ele, mas logo solto uma risada nervosa.

  – Você não mora aqui. Não mora de jeito nenhum.

  Ele cruza os braços por cima da camisa preta e me fita observador, mas sem deixar sumir o sorriso torto nos lábios.

  – Sim, moro aqui. – Rebate e joga o corpo para frente, apoiando os cotovelos nas pernas e me observa mais de perto. Então automaticamente dou um passo atrás. – Mas a pergunta mais importante é: O que você está fazendo aqui?

  – Eu... Eu... – Engasgo com as minhas próprias palavras, ainda não acreditando que ele mora no bairro mais chique da cidade. – Eu me perdi.

  Ele me examina atentamente.

  – Quer carona? Estava indo encontrar você mesmo.

  – Você vai me dar uma carona? – Pergunta com dúvida não acreditando que pode ser legal sem seu ego o atrapalhar.

  Ele ri de leve, sombrio, antes de se levantar e começar a olhar para baixo para falar comigo e de alguma forma me sinto ainda menor do que já sou.

  – Sim, ou você já desistiu de me ajudar com as matérias?

  Penso antes de responder, mas não o suficiente para ele achar que estou com alguma dúvida. Preciso saber quem ele é e se eu realmente tenho motivos para temê-lo.

  – Não. – Afirmo. – Mas precisamos passar na minha casa antes de ir para o colégio, preciso pegar os cadernos com as matérias.

  Ele abre um sorriso largo e vejo uma sombra passar por cima de seus olhos. Arrepiei-me de medo, mas não dei nenhum passo para trás.

  – Podemos ficar por lá então, assim não precisamos fazer outra viagem para ir ao colégio. – Ele pisca um olho para mim. – Acho uma ótima ideia.

  Sorrio sem jeito e sentindo o rubor tomar meu rosto.

  – Não, não acho uma boa ideia. Até porque você continua sendo um estranho.

  Ele finge espanto antes de falar qualquer coisa.

  – Um estranho? Que frase mais forte para ser dita a um velho amigo.

  – Velho amigo, bem lembrado.

  Ele me examina por um longo momento e de uma forma intensa que acabou por me fazer sentir nua no meio na rua.

  – Vou mostrar pra você que não sou um monstro ou um criminoso.

  – Como? – O desafio sentindo a adrenalina correr em minhas veias como ácido.

  Ele se aproxima mais de mim, me sondando e sinto as pernas fraquejarem como se fossem feitas de borracha. Então Duncan leva a mão ao meu queixo erguendo meu rosto para olhá-lo melhor. Sinto seus olhos negros sugarem cada parte minha para uma escuridão envolvente e sou obrigada a piscar para não deixá-lo me hipnotizar.

  – Ganhando sua confiança. – Responde e sinto seu hálito de menta pousar sobre meu rosto de uma forma gelada. – Vou fazê-la mudar de ideia tão rápido que nem vai acreditar que um dia teve medo de mim.

  – Por que você acha que eu tenho medo de você? – Pergunto e não acreditando que as palavras não ficaram engasgadas em minha garganta.

  Ele sorri levemente mostrando todo o mistério e deixando claro que guarda muitos segredos, e do tão perigoso e ousado que pode ser.

  – E você não tem? – Rebate e se aproxima mais de mim, fazendo com que sinta o calor de seu corpo próximo ao meu, emanando de uma forma lenta e tentadora.

  – Não. – Respondo e deixando que ele invadisse meu espaço, ou melhor, ansiando que o invadisse e esquecendo completamente de qualquer medo ou raiva que pudesse ter dele.

  – Então vamos para sua casa... – Duncan fala pausadamente. – Pegamos os materiais e ficamos por lá. Talvez mais tarde possamos sair, ou ficar, só eu e você.

  Só eu e você, essa frase ecoou por minha mente até que finalmente acordo e deixo um leve sorriso se formar em meu rosto e olho para ele, me aproximando mais, deixando nossos corpos se colarem. Ele me observa sedutor, mas ao mesmo tempo espantado. Então fico na ponta dos pés e me aproxima do seu pescoço.

  – Não. – Rebato e viro as costas começando a caminhar na pequena calçada ao lado do lago, mas logo me viro e olho para ele novamente. – Onde é sua casa mesmo? – O vejo sorrir malicioso enquanto me alcança em poucas passadas rápidas de perna. – Como você pode morar aqui?

  – Por que o espanto? – Pergunta e lança um olhar ousado sobre mim.

  – Por que esse lugar não combina com você. – Respondo hesitante e logo penso que ele pode entender errado o que falei. – Quero dizer que o seu estilo de bad boy não se encaixa aqui...

  –... Num bairro de classe alta com crianças inocentes brincando na rua e sem nenhuma pichação nas paredes ou pontos onde vendem drogas? – Ele me interrompe e fico o olhando sem saber o que dizer, mas ele sorri calmo. – Não se preocupe não me ofendi.

  – E também não quis dizer isso.

  – Eu sei que não. – Duncan sorri, mas seus olhos disseram o contrário. – Mas respondendo sua pergunta: tenho um apartamento no meu nome que meu avô deixou como herança antes de partir. Não sei se você se lembra, faz muito tempo.

  – Lembro sim. – Afirmo distraída enquanto procuro qual desses prédios tem um apartamento em nome dele. – E qual desses é o seu? – Pergunto apontando para as construções.

  – Você já vai ver.

  Andamos mais um pouco e de repente ele para na frente de um prédio de três pisos e escuro, em tons em preto dividindo espaço com as paredes de vidro e detalhes em madeira. A frente tem diversas pedras dividindo espaço com os arbustos e pequenas árvores. Perdi o fôlego olhando e vendo que ele combina perfeitamente com Duncan, apesar do seu estilo bad boy ele tem uma aparência elegante por usar roupas escuras.

  – O que achou? – Pergunta e me viro para olhá-lo tentando me recompor.

  – Achei muito parecido com você. – Respondo e não pude deixar de sorrir levemente. – Seu avô lhe conhecia bem pelo jeito.

  – Mais do que possa imaginar. – Responde sorrindo torto e fez com que me perdesse no tempo por alguns segundos. – Por favor... – Ele gesticula em direção as portas de vidro fazendo com que despertasse e começasse a andar hesitante.

 

  Observo Duncan seguir Luna enquanto ela caminha em direção ao prédio. Ele sorri para ela a tranquilizando e aos poucos ela relaxa a postura, mas prossegue alerta. Percebo que Luna não sente mais medo dele e sim desejo. Mal sabe ela que nenhuma notícia boa chegará com sua volta. Mal sabe minha neta que toda a sua vida está prestes a mudar.

  Afasto-me de trás da árvore de tronco claro e viro-me para o lado oposto rezando que ela consiga compreender e que Duncan seja forte pelos dois, pelo menos, no tempo que for necessário.

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