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3.

Desafio
O que fazer quando o fogo não queima,
E sim se funde?

Chegando perto da hora do intervalo, não consigo retirar os olhos do relógio no alto do quadro branco, como se ele fosse explodir a qualquer momento às 10h15min, fazendo assim, todos correrem para fora da sala como se houvesse um incêndio. Finalmente o sinal tocou e todos correram para guardar seus materiais, e até mesmo alguns nem se deram ao trabalho de os enfiarem na mochila e saíram com eles nas mãos. Observei Duncan sair junto, calmo, com o andar elegante e confiante. Quando finalmente saiu pela porta me viro para Ágatha que me encara tensa.

  – O que foi aquilo? – Pergunta nervosa antes que soltasse um “graças a Deus, agora posso respirar”.

  – Nem me fale. – Respondo enquanto enfio os materiais na bolsa com tanta vontade como se pudesse descontar neles a vontade de socar a cara dele.

  Paro rapidamente pensando que ele só leu as partes que escrevi e ignorou complemente o interesse que Ágatha deixou bem claro que sente por ele no bilhete. Sinto minhas bochechas corando sem motivo e quase apagando por completo o episódio na beira da praia. Mas sinto que de algum modo é bom não me esquecer, como se fosse um aviso sobre outro lado dele, um lado que possivelmente irei conhecer. Afasto os pensamentos e volto a prestar atenção nela e no que está falando nervosamente.

  – Ele leu o bilhete. Não acredito que ele leu o bilhete. – Ágatha diz e levanta as mãos para cima. - Como o deixou ler o bilhete?!

  Coloco a bolsa no ombro direito e me levanto sem retirar os olhos dela.

  – Como se a culpa fosse completamente minha, não é Ágatha? – Bufo e saio andando em direção à porta.

  – O que quer dizer com isso? Não fui eu quem derrubou o bilhete no chão.

  – E não fui eu quem começou a escrevê-lo. – Rebato enquanto paro de andar e me viro para ela. – Olha, não adianta nada ficarmos nesse impasse de quem é a maior culpa, porque ambas sabemos que não irá dar em nada e...

  – Claro, é sua. – Ágatha me interrompe.

  Reviro os olhos e prossigo.

  – Continuando... O acho um completo idiota e isso é sério, não gostei, realmente, dele. – Rebato e faço questão de deixar bem óbvio as vírgulas na frase.

Ágatha ri levemente enquanto anda ao meu lado.

  – O achei um completo gato, claro, de uma forma misteriosa, mas gato.– Ela faz uma pequena pausa e me olha. – Talvez seja justamente o fato de ser misterioso que o deixa tão gato.

  Passamos pela porta, mas continuo bufando. Sinto o sangue fervilhando nas veias, louco para explodir no meu cérebro, sem contar o fato de estar louca para ir embora como se estivesse encurralada de uma forma tão intensa que não consigo pensar direito em encontrar uma saída.

  – Agora vai me dizer que não se abalou quando o viu na porta atrás de nós? – Ágatha pergunta. – Vi como você o olhou, só faltava secar a saliva que escorria pelo queixo. Cheguei a cogitar a hipótese de correr até a cozinha e pegar um balde.

  Rio enquanto desço as escadas para o saguão principal.

  – Achei que estava ocupada demais olhando seu físico e imaginando se ele tinha um tanquinho perfeito por debaixo da camisa.

  – Sim, mas fiquei imaginando também como seria tocar naquele suposto tanquinho. Nossa senhora! – Ágatha rebate com uma das mãos no peito fingindo um suposto desmaio.

  Sorrio e finalmente começo a me acalmar enquanto nos direcionávamos para o bar do colégio. Mas como a felicidade dura pouco, encontramos Duncan encostado na parede laranja de tijolos do pátio, só esperando que nós nos aproximássemos para que pudesse nos abordar.

  Tento desesperadamente encontrar outro caminho para chegar ao bar sem precisar passar por ele, mas já é tarde demais, pois estamos no pátio, e não dá para cortar caminho pelo corredor interno.

  Percebo que está usando óculos escuros, então começo a rezar que não tenha nos visto, assim poderíamos passar reto sem problemas. Mas acontece o que eu não queria: ele começa a caminhar em nossa direção enquanto sorri sedutor.

  Vejo pela visão periférica uma loira passar as mãos nos cabelos e começar a rebolar mais enquanto anda para a nossa frente, fazendo o possível para chamar atenção. Mas então Duncan passa reto por ela e prossegue vindo até nós, desvio meu olhar dele para olhá-la, vendo como encara espantada em nossa direção e foi nesse momento que quis que um buraco se abrisse na minha frente para me enfiar dentro e não ter que aguentar aquele olhar.

  – Olá. – Ele sorri torto enquanto transborda autoconfiança.

  – Oi. – Respondo contrariada querendo só sair dali o quanto antes.

  – Oi. – Ágatha responde, mas percebo o desconforto evidente em sua voz.

  – Queria saber se não seria um problema passar o intervalo com as minhas amigas, se assim continuam.

  Sinto meu estômago embrulhar e as mãos suarem, lembro-me de como ele destacou o “amigas” na frase, para deixar claro que não irá me deixar esquecer de que leu aquele maldito bilhete.

  – Pode. – Responde Ágatha enquanto falo “não”. – Só não sei se continuamos melhores amigos... Já faz tanto tempo!

  Ah! Muito legal, ela está flertando com ele. Penso enquanto desvio o olhar para outro ponto, longe de tudo isso e principalmente dele.

  Viro-me contrariada quando ouço um silvo sair por entre seus lábios. Ele sorri levemente para mim enquanto retira os óculos e o pendura no colarinho da camisa. Seu olhar insinuador continua sobre mim até o último instante antes de se virar para Ágatha.

  – Ótimo. Para onde estavam indo?

  Para bem longe de você, penso e o vejo abaixar a cabeça e rir levemente como se tivesse me ouvido dizer isso em voz alta, o que me faz franzir o cenho.

  – Para o bar, estamos com fome.

  Fale por você, penso, perdi completamente a fome.

  – Então vamos lá. – Ágatha diz e sai andando na frente enquanto me apresso para alcançá-la antes que ficasse sozinha com uma companhia que prefiro evitar. Mas ele me faz parar, diminuindo o passo lentamente enquanto sua frase finalmente entra em meu cérebro.

  – Está tentando fugir de mim agora?

  Viro-me lentamente tentando tomar ar e me acalmar.

  – Não. Por que fugiria? – Pergunto ao mesmo tempo em que penso sarcasticamente: Logo de você?

  – Não sei. – Duncan esbanja um sorriso divertido nos lábios enquanto dá de ombros. – Foi o que pareceu.

  – Se enganou. – Rebato sentindo minhas bochechas começarem a esquentar. – Não tenho o que temer.

  Ele sorri abaixando os olhos até se tornarem duas fendas negras me examinando.

  – Quem garante que não há nada o que temer? – Pergunta e seu olhar atravessa minha alma fazendo um calafrio de medo subir pela espinha, lembrando-me do quanto ele pareceu assustador naquela noite. – Você mesma disse que sou um “estranho”.

  Rio de leve, nervosa, não querendo demonstrar como estou me sentindo.

  – Tudo bem. – Digo e engulo a saliva com dificuldade. – Aonde quer chegar com esse assunto?

  Duncan levanta as sobrancelhas em falso espanto enquanto relaxa a postura e cruza os braços sobre o peito.

  – A lugar nenhum. – Rebate.

  Franzo o cenho em dúvida enquanto me examina como se cada movimento meu fosse extremamente interessante para ele, o que me faz ficar com os dois pés atrás em vez de um.

  – Então o que quer? – Pergunto séria.

  – Só preciso lhe fazer uma pergunta, mas acho que irá ser evasiva novamente. – Diz calmamente, mas percebo o humor em seus olhos.

  Cruzo os braços sobre o peito enquanto endireito a postura sem saber se está me desafiando novamente ou simplesmente brincando comigo. Seja o que for não me deixa nem um pouco tranquila, então me lembro de que está esperando pacientemente a minha resposta.

  – E o que o faz crer que serei evasiva? – Rebato enquanto ergo uma sobrancelha.

  Ele dá um passo em minha direção como se quisesse dar mais convicção ao que está prestes a falar, o que me faz erguer o olhar em alerta.

  – É só minha opinião, já que faz o possível para me evitar, então, naturalmente, fará o possível para que prossiga desse jeito. – Diz e ergue uma sobrancelha para dar ênfase. – O que me faz perguntar: o porquê está em alerta nesse exato momento.

  Deixo os braços caírem ao lado do corpo enquanto tento ficar mais alta, não sei se é pelo fato de ter jogado a verdade na minha cara ou simplesmente por estar me desafiando para um duelo.

  – Tudo bem. – Digo e respiro fundo, tentando ficar calma para não tropeçar nas próprias palavras. – Você quer a verdade então?

  Percebo seu olhar surpreso enquanto descruza os braços e me examina como se estivesse brincando, mas se limita a sorrir torto antes de falar.

  – Com certeza.

  – Então vamos lá. – Prossigo. – A verdade é que não sei qual é a sua, já que chegou se achando o biscoito mais recheado do pacote, além de se dirigir a nós como se nunca tivesse partido. – Deixo meus olhos semicerrarem enquanto o encaro. – A verdade é que nós não o conhecemos, não sabemos o que aconteceu com você nesses últimos anos. Então como pode querer que nós digamos: “olá amigo, que saudade” quando você simplesmente aparece do nada e com toda essa presunção?

  Ele me observa atentamente enquanto respiro fundo e espero que responda, mas seus olhos se cravam nos meus de tal forma que sinto um bolo se formar na garganta, como se tudo o que acabei de falar estivesse voltando para dentro.

  – O que eu acho engraçado é o fato de estar falando por duas pessoas quando, na realidade, é você quem se sente assim. – Finalmente afirma e quando estou prestes a rebater ele levanta um dedo para que parasse. – Por favor, me deixe terminar. – Com isso cruzo os braços sobre o peito enquanto tento engolir pacientemente o que tem para dizer. – Você formou uma versão de mim completamente adversa ao que sou, mas não posso julgar porque todos fazem a mesma a coisa, então o mínimo que posso fazer é propor um acordo.

  Fico em silêncio enquanto ele me olha esperando que dissesse “não” e virasse as costas, mas não sei exatamente o que pensar, porque a última coisa que previ foi isto. Desde o principio pensei que, quando dissesse a verdade, ele iria se afastar como tanto desejo que faça, mas agora está mostrando que quer o oposto, o que me faz repensar todo o meu plano de estratégia novamente.

  Sem saber muito bem o que estou fazendo, acabo suspirando e deixando que a minha armadura se desfaça um pouco para saber a aonde quer chegar com essa conversa.

  – E que acordo é esse?

  Ele sorri torto enquanto seus olhos negros me avaliam.

  – O acordo que ia fazer no início dessa mesma conversa. – Afirma enquanto semicerra os olhos por causa do sol. – Eu proponho o seguinte: Que você me ajude com as matérias que perdi nessas duas semanas que faltei, e ao mesmo tempo você me conheça melhor.

  O observo por alguns segundos enquanto meu cérebro faz o possível para reverter o rumo da conversa, e sem sucesso me vejo encurralada novamente só conseguindo pensar em uma única resposta. Então me vejo mordendo o lábio inferior nervosa enquanto luto contra a curiosidade e a autoproteção, mas infelizmente a curiosidade se aliou a minha falta de bom senso.

  – Só uma pergunta. – Digo e o vejo concordar com um aceno de cabeça. – Você já teve as primeiras matérias no outro colégio, então porque está pedindo minha ajuda?

  Duncan sorri largo como se esperasse justamente essa pergunta.

  – Ninguém garante que as matérias que tive são as mesmas daqui. – Rebate, mas logo o sorriso largo se transforma em um malicioso. – Além de que iremos matar dois coelhos com uma cajadada só: nós nos conhecemos melhor, e não tiro notas baixas no primeiro trimestre. – Ele sorri torto quando percebe meu espanto. – Sim, eu tiro ótimas notas, mais um equívoco seu. – Ele faz uma pequena pausa enquanto estica a mão em minha direção. – Então o que me diz? Temos um acordo?

  Observo sua mão estendida e peso o que acabou de propor, mas percebo que não me custa nada descobrir quem realmente é, se a minha intuição está certa ou errada, então percebo que já estou apertando sua mão.

  – Tudo bem. – Respondo enquanto a solto rapidamente. – Onde nos encontramos para lhe passar as matérias?

  Ele sorri vitorioso.

  – Na sua casa para mim está bom.

  Um calafrio aparece enquanto penso na possibilidade dele dentro da minha casa, somente nós dois e um flash sobre aquela madrugada volta em minha mente, fazendo com que tenha completa certeza sobre não ser uma boa idéia, apesar de estar fazendo o possível para saber se meu julgamento está incorreto.

  – Acho melhor não.

  – Medo? – Pergunto enquanto sorri torto.

  – Precaução.

  – Na minha então? – Pergunta e vejo um brilho crescer em meio ao negro de suas íris, como uma pequena chama.

  – Acho melhor na biblioteca do colégio amanhã à tarde, pode ser? – Rebato enquanto o observo fazer um sinal positivo com a cabeça – Encontro você aqui às quinze horas então... – Com isso saio andando em direção a Ágatha, mas antes me viro para trás. – Sem atrasos.

  Deslumbro um sorriso largo se estampar nos lábios de Duncan mais uma vez antes de me virar para falar com Ágatha.

  – O que está acontecendo entre vocês? – Ela pergunta quando me aproximo. – A carne fresca mal chega e você já pula em cima que nem um urubu? – Ri enquanto pega seu pastel e o suco de laranjas habituais.

  Fui obrigada a rir apesar de ainda sentir um gosto ruim na boca devido ao estresse que tentei ao máximo evitar, mas começo a me questionar se foi uma boa idéia ter aceitado o acordo.

  – Não quero falar sobre ele pelo resto do dia, ok? – Rebato e olho de esguelha para ela. – É pedir demais?

  Ágatha sorri enquanto morde o pastel e se afasta.

  – É óbvio que não. – Concorda e para rapidamente olhando por cima de meu ombro. – Não olha agora, mas o Robin Hood está vindo com seu arco e flecha nas mãos. E nossa, que charme! Juro que se tivesse ouro aqui, iria chacoalhar em sua frente só para ter o gosto de vê-lo tentando pegar.

  – Como? – Pergunto virando na mesma hora para trás e avistando Duncan vindo com uma caneta nas mãos.

  Ele para em minha frente sorrindo e levando a caneta para frente.

  – Só uma coisa. – Diz puxando minha mão esquerda e levantando a palma para cima.

  – O que você vai fazer? – Protesto tentando puxá-la de volta, mas ele a segura firme apesar de sua mão ser macia e cuidadosa.

  Encaro a caneta preta deslizar pela minha mão causando-me cócegas e querendo saber o que ele está escrevendo ali com tanta concentração. Quando terminou levo os olhos para os oito dígitos em preto.

  – Caso você se atrase... – Sorri torto. – Me liga.

  Com isso virou as costas e saiu. Observo-o se afastar elegantemente depois volto meu olhar para os dígitos na mão. Sinto a garganta apertar enquanto começo a repensar se irei aparecer ou não, e por um curto segundo cogito a hipótese de apagá-los, mas logo respiro fundo e decido deixar para lá.

  – O que ele escreveu ai? – Ágatha pergunta enquanto puxa minha mão para olhar, e quando percebe o que é abre um sorriso presunçoso. – Isso ai garota, conseguiu.

  Franzo o cenho e a encaro.

  – Consegui exatamente o quê?

  Ela se vira e me olha de uma forma engraçada, como se quisesse parecer séria, mas só conseguisse sorrir de uma forma maníaca.

  – Ele deu o número do celular pra você. – Rebate sorrindo. – O que isso pode significar? Ele está interessado.

  Reviro os olhos e respiro fundo enquanto repasso toda a nossa conversa na mente, lembrando que concordei em dar o braço a torcer e esperar para ver como realmente é, mas essa idéia já não parece tão boa quanto antes. Então me limito em explicar para Ágatha o que aqueles números significam.

  – Ele pediu ajuda nos estudos, por isso me deu o telefone caso precise ligar. – Rebato como se não fosse nada demais. – É só isso.

  Ágatha se senta no banco de pedra no pátio enquanto me observa com o copo de suco de laranja na boca, então toma um longo gole antes de responder.

  – Arrã, sei. – Diz sem acreditar. – Isso é só uma desculpa e não adianta tentar me convencer do contrário, porque consegui entender algumas coisas enquanto conversavam. – Ele morde o pastel e mastiga antes de prosseguir. – Ele lhe surpreendeu, a desafiou, mas principalmente a colocou em um terreno que não conhece, e apesar disso tudo você está parada no meio do caminho sem querer dar o primeiro passo, quando na realidade, está louca para o fazer. – Ela levanta uma sobrancelha enquanto tento falar e sei que esse é o sinal para ficar quieta. – Você pode tentar dizer que não é isso, mas ambas sabemos que você está tentando negar o óbvio: ele é tudo o que você sempre quis.

  – Ah! Não venha com essa. – Rebato mal-humorada.

  Ágatha me encara por alguns segundos antes de falar.

  – É isso sim. – Rebate calma e logo em seguida morde o pastel. – Ele é tudo o que qualquer garota deseja, mas por algum motivo que não sei qual é, você se esquiva dele como se a qualquer momento ele fosse atirar em você. – Ela faz uma pequena pausa e toma um gole do suco enquanto ergue outra sobrancelha. – E é sobre isso que quero saber.

  Sento ao seu lado no banco e encaro as palmas da mão enquanto respiro fundo, não deve ter se passado nem três segundos, mas dentro da cabeça parece uma eternidade enquanto sinto seus olhos cravados em minha nuca.

  – Não é nada disso. – Finalmente digo. – Só que um pouco de precaução não faz mal a ninguém, mas apesar disso, estou dando uma segunda chance para ver se ele é o que julgo ser.

  Ágatha morde o último pedaço do pastel antes de tomar o restante do suco e largar no lixo ao lado, então se limpa com o guardanapo enquanto me observa.

  – A verdade é que você não está dando uma segunda chance a ele, mas sim a si mesma. – Rebate enquanto se coloca de pé e joga o guardanapo no lixo. – Você está permitindo rever um julgamento que fez em cima dele, mas se baseou no que sente para isso, então não diga que ele causou uma má impressão quando você só conseguiu ver os seus próprios medos. – Ela dá um leve sorriso antes de virar as costas e seguir para a sala de aula no exato momento em que o sinal batia.

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