
Deixe-se ouvir

2.
Surpresa
Quando está escrito,
Não adianta lutar contra o destino.
Uma semana depois que as aulas começaram acordo me sentindo fraca, indisposta , mas preciso lutar contra a preguiça antes que ela me tome por completa. Levanto-me sem vontade e faço todo o meu ritual da manhã: escovar os dentes, me arrumar, fazer a maquiagem, pegar a bolsa com os materiais e descer para tomar café. |
Viro à direita e entro na vasta cozinha, a claridade da manhã invade-a potente enquanto vejo mamãe correndo de um lado para o outro enquanto faz várias coisas ao mesmo tempo.
– Bom dia mamãe. – Digo sonolenta.
– Bom dia meu amor. – Responde enquanto me da um beijo na testa. – O que vai querer para o café hoje?
– Só um copo de café, porque acordei um pouco enjoada hoje.
– Iii... O que aconteceu? – Mamãe pousa a mão em minha testa. – Está sem febre... São os remédios que estão fazendo mal de novo?
– Não. Estou bem, juro. Só acordei um pouco indisposta, vai passar.
– Tudo bem, qualquer coisa já sabe.
– É só ligar que você larga tudo e vem me ver... – Interrompo-a finalizando a frase. – Pode deixar, mas não vai precisar, vai por mim.
Mamãe me examina dos pés a cabeça com aqueles olhos castanhos claros tentando detectar alguma coisa errada. De certa forma isso é engraçado ainda mais quando quer parecer brava já que seu tamanho não ajuda muito nisso. Milena tem baixa estatura, – alguns centímetros a menos que eu –, possui o cabelo cortado como Chanel e extremamente liso, tem o rosto fino e o corpo bem traçado.
– Tudo bem. Confio em você. – Mamãe se senta de frente para a mesa e começa a mordiscar as bolachas. – Marquei uma consulta com o Doutor Jair para depois do colégio. Não se preocupe, não precisa me ajudar na floricultura hoje.
Suspiro alto antes de responder.
– Tudo bem. – Dou uma pausa enquanto tomo um gole de café. – Mãe, eu acho que não preciso mais ir ao Jair.
Ela levanta a cabeça da xícara de café e me olha desconfiada, então respira fundo e me examina sem pressa.
– Se não precisa ir ao Doutor Jair, então me diga o que eram aquelas roupas molhadas no chão de casa no sábado, quando estávamos na casa da praia?
Direciono meu olhar para dentro da xícara sem querer responder.
– Não me venha dizer que não foi nada Luna. – Prossegue enquanto tomo um gole, mas sinto o café trancar na minha garganta. – Olhe para mim, por favor. – Levo meu olhar ao seu e ela pega na minha mão. – Só quero que continue indo, porque me preocupo com você.
– Eu sei mãe. – Admito. – Mas já estou em tratamento faz doze anos e continuo do mesmo jeito. Não há nada que ele possa fazer, porque se houvesse o efeito seria maior, não concorda?
Vejo-a desviar o olhar rapidamente e dar um suspiro alto de exaustão.
– Nós já conversamos tantas vezes sobre esse assunto...
– Eu sei. – Interrompo-a. – Mas você não vê a realidade? – Respiro fundo, não querendo mentir, mas me vendo na necessidade de me libertar da prisão de remédios e consultas frequentes. – Estou melhor do que nunca. Não tenho mais alucinações e os pesadelos estão diminuindo.
Ela me observa por um momento, me analisando, tentando ver se estou mentindo e logo depois ela estreita os olhos e aperta um lábio no outro.
– Se os pesadelos e alucinações andam diminuindo o que era aquela roupa molhada no sábado? – A vejo levantar um dedo na minha direção antes de me permitir dar uma resposta. – Não me conte nenhuma mentira Luna. Você sabe muito bem que faço tudo pelo seu bem.
– Eu sei disso mãe. – Engasgo antes de prosseguir falando, mas de certa forma veio em bom momento. – Sonhei com a vovó, só isso. – Levanto a cabeça da xícara de café. – Então decidi sair um pouco pra ver se a falta dela e a dor no peito iriam diminuir antes de voltar a dormir, mas no meio do caminho começou a chover.
Percebo meus olhos começarem a nublar, não querendo mentir para mamãe acabei trazendo uma verdade a tona. Já fazia mais de um ano que ela havia partido e comemoro meu aniversário de dezoito anos, daqui um mês. Todas as comemorações desde que vovó morreu eram as piores datas para mim.
– Ah! Filha. – Vejo-a levantar do seu lugar e me abraçar forte. – Também sinto a falta dela, mais do que possa imaginar. – Fala com o rosto colado em meus cabelos.
– Eu sei mãe, mas é tão difícil.
– Eu sei, eu sei.
Ficamos abraçadas por alguns instantes antes de ambas saírem fungando e secando as lágrimas dos olhos. Mamãe senta novamente e sorri para mim enquanto levo a xícara aos lábios antes de falar.
– Sabia que Valentina que escolheu seu nome?
Levanto o rosto surpresa, não esperando que falasse isso.
– Não sabia. – Admito.
– Ela foi a primeira a ver seu sinal de nascença atrás do ombro e por um bom tempo ficamos nos perguntando da onde havia surgido, pois ninguém na família tem. – Diz distraída enquanto olha para dentro da xícara. – Chegamos à conclusão de que isso a tornava mais especial ainda e logo em seguida o nome Luna veio na cabeça de mamãe, e perguntou o que eu achava. Na hora percebi que era o mais adequado. – Milena me olha e sorri tristemente antes de tomar o resto do café e mudar de assunto. – Mas vamos fazer o seguinte então: você vai hoje no final da tarde no Doutor Jair, conversa com ele e depois decidimos o que fazer ok?
Suspiro antes de responder pensando nos prós e nos contras. Também não posso negar o fato de que ele me ajudou bastante no início e também aceitei o fato de que os remédios me ajudaram muito e que ele respondeu minhas diversas perguntas por um bom tempo. Só que hoje em dia parece que nada do que ele diz faz sentido... É como se tudo fosse uma mentira para suprir minhas perguntas sem respostas.
A imagem daquele sorriso forçado e aqueles cabelos grisalhos vêm em minha cabeça, fazendo com que esqueça completamente das coisas legais que ele fez por mim e deixa uma sensação de vertigem na boca do estômago. Então de repente começo a sentir mais falta da vovó do que já estava, pois sei que ninguém nunca irá me entender como ela entendia.
– Tudo bem mãe.
– Agora termine seu café e corra para o colégio, já estamos atrasadas.
– Estamos sempre atrasadas. – Rebato com um sorriso nos lábios.
Depois de uns minutos mamãe correu para abrir a floricultura, enquanto eu ia para colégio, antes que chegasse atrasada demais - como normalmente chego -. Ainda mais que pedi que Ágatha, minha melhor amiga, me esperasse em frente ao colégio, para que chegássemos juntas como sempre.
Conheço-a desde a primeira série e estudamos juntas desde então no Colégio Estadual Cândido Afonso. Hoje em dia estamos no segundo ano do Ensino Médio, é praticamente uma vida!
Ergo a cabeça enquanto coloco os fones de ouvidos examinando a rua ao redor e de como ela é deserta a esse horário. O clima não está muito quente, já que estamos no verão, essa é uma das coisas boas de estudar nesse horário, o clima é agradável. Mas já à tarde é um inferno de quente, ainda mais que trabalho na floricultura com a mamãe. Isso faz com que me pergunte se o fluxo estará grande hoje, já que não irei trabalhar essa tarde.
Prossigo caminhando para o colégio e tentando espantar da mente a consulta que iria ter naquela tarde, e no que iria dar a conversa com o Jair. Sabendo que provavelmente não iria dar em nada e ele iria convencer minha mãe de que o tratamento era realmente prolongado, pois tinha que atingir meu subconsciente para ter mais resultado e blá, blá, blá.
Depois de um tempo já havia caminhado as dez quadras até o colégio e deparo-me com a enorme construção de tijolos laranja e do outro lado da rua. O colégio tem o muro na cor creme que se ergue como uma muralha protegendo tudo que está em seu interior. O campo em frente é largo e vasto, várias árvores se erguem em diversas partes com troncos de cor de osso e folhas verde escuras. Respiro fundo fechando os olhos enquanto uma brisa bate de encontro ao meu rosto, mas de repente ouço uma voz aguda gritar meu nome em meio à música dos fones de ouvido.
Retiro os fones a tempo de ouvir Ágatha dizer.
– Luna, isso não é hora para meditações!
Sorrio e atravesso a rua, percebendo pela primeira vez de que não há mais ninguém na frente do colégio, somente Ágatha sem paciência.
Abraço-a enquanto grita perto de minha orelha.
– Nenhuma só vez você pode chegar no horário?
– Você sabe que não. – Rebato enquanto sorrio.
Ágatha tem os cabelos castanhos encaracolados e os olhos da mesma cor sempre cheios de maquiagem colorida, enquanto os meus somente contornados de preto. Suas bochechas são cheias e rosadas, das quais ela odeia. Os lábios finos hoje estão em rosa Pink combinando com a regata preta que diminui o volume de seus seios. Uma calça skinny jeans clara e nos pés vans azul bebê.
Entramos correndo pelo portão enquanto deixava ecoar logo atrás o meu bom dia para Gustavo que fica na entrada monitorando todos que entram e saem. Começamos a subir as escadas principais que ficam no saguão inferior, mas ouvimos a voz do diretor começar a ficar próxima. Então demos meio volta e atravessamos as pressas o corredor inferior até as escadas dos fundos. Nossos passos ecoando conforme corríamos. Quando finalmente chegamos me agarro no corrimão, sentindo meus pulmões queimarem a o ar sumir. Ágatha senta no degrau ofegante, eleva seu olhar para o meu enquanto tenta falar.
– Amiga... Acho que deixei meus pulmões na curva do saguão, preciso voltar para pegar.
– Sem chance. – Rio. – Nós arranjamos uns que não sejam asmáticos depois. Agora vamos. – Puxo-a pelo braço para que prosseguíssemos subindo.
Paramos olhando o longo corredor quando chegamos, sem sinal de ninguém por perto. Então seguimos para a nossa sala já nos preparando para o futuro discurso que iríamos receber.
– Que professora tem agora? – Pergunto na esperança de que não seja quem penso, mas a pouco que tinha some quando a ouço responder.
– Professora Duarte... – Ágatha engole em seco. – De sociologia.
– Droga! – Reclamo baixinho enquanto paramos na frente da porta, ergo meu olhar examinando o número 202 em bronze, grudado no alto do marco. – É, é aqui... Está preparada?
Vejo-a balançar a cabeça em negativa e logo depois suspirar.
– É, mas vai ter que ficar. – Rebato enquanto ergo a mão em punho para bater na porta de madeira escura segurando a respiração.
Depois de alguns segundos vejo a senhora Duarte abrir a porta e nos encarar com a feição dura enquanto olha para mim, e não preciso ler pensamentos para saber o que pensou: “De novo essa garota chegando atrasada na minha aula!”.
– Luna Prado e Ágatha Pereira... Novamente.
– Bom dia senhora Duarte. – Dissemos em uníssono enquanto ouço algumas pessoas rirem baixinho no fundo da sala o que me fez quase revirar os olhos.
– Será que podemos entrar? – Ágatha pergunta ao meu lado.
– Não sei. – Rebate. – Não é a primeira e nem a segunda vez que se atrasam desde o começo das aulas. Mas vamos lá, qual é a desculpa de hoje?
Respiro fundo planejando uma desculpa que ainda não havia usado, mas ouço uma voz grave e rouca saindo de trás de mim, fazendo-me engolir as palavras que não havia pronunciado. Sinto minha mancha esfriar levemente enquanto o calor de seu corpo irradia perto de minhas costas como se não estivesse nenhum pouco preocupado de invadir meu espaço. Sinto um calafrio subir pela espinha fazendo com que uma onda de arrepios toma-se conta de meu corpo. Só senti essa sensação uma vez e foi há uma semana quando tinha a plena certeza que era uma alucinação.
– Se eu lhe contar, a senhora não irá acreditar mesmo.
Viro-me em sincronia perfeita com a de Ágatha, mas fui obrigada a levantar meu olhar de seus ombros largos e fortes, e direcioná-lo para seu rosto bronzeado. Levo um enorme susto e sou obrigada a me segurar no marco da porta, quando percebo que é o mesmo garoto que vi na beira da praia uma semana trás, o mesmo que vem atormentando meus sonhos.
Encaro seus olhos negros e densos como petróleo, os mesmos olhos que me perseguem todas as noites. Mas há algo mais familiar do que percebi de imediato, então desço meu olhar tentando encontrar qualquer sinal de reconhecimento.
Ele possui o ar confiante, seguro e debochado. Seu sorriso é levemente torto, charmoso e sedutor, nada parecido com o que vi naquela madrugada na praia. Os dentes são incrivelmente brancos e enfileirados, o cabelo liso e negro está casualmente bagunçado diferente de como o vi, encharcado. Ele é alto deve ter um metro e oitenta e cinco mais ou menos, usa uma camisa preta simples com um óculo Ray Ban Aviator pendurado no colarinho e por cima uma jaqueta de couro da mesma cor.
Sinto minhas pernas ficarem moles, mas obrigo-me a mantê-las firmes, olho para a direita e vejo seu braço encostado ao lado da minha orelha, se apoiando no marco da porta, levemente inclinado para frente. Posso sentir o calor de sua respiração fazendo cócegas na ponta do meu nariz.
O que ele está fazendo aqui? Penso, me afastando levemente devido ao desconforto de sua proximidade. Ele olha para mim e sorri torto percebendo a minha tensão e então endireita sua postura, deixando-a ereta como vi naquela noite.
Olho rapidamente para Ágatha e a vejo encarando sua ótima saúde física.
– E você quem é? – A professora pergunta sem se sentir incomodada ou percebendo em como me sinto encurralada, como um enorme felino diante de sua mais nova presa, só que desde o princípio achei que esse caçador era uma alucinação.
Respiro fundo, olhando-o enquanto ele sorri presunçoso.
– Sou Duncan, o aluno novo. – Ele responde calmamente e olha rapidamente para mim. – Fui transferido do Colégio Estadual André Drummond por isso me atrasei, pois tive que passar na direção antes de subir. Foi quando encontrei com as duas... – Gesticulou para nós. – Para me ajudarem a encontrar minha sala, que por coincidência é a mesma que a delas.
Por que ele está nos ajudando? Pergunto-me sem saber se agradeço ou se fico com mais dúvidas ao seu respeito.
Vejo a professora alternar o olhar entre nós três antes de falar.
– E por que não chegou junto com elas então?
Poxa vida, ela nunca alivia mesmo! Penso amargamente.
– Por que precisei ir ao banheiro. – Ele sorri torto como se estivesse flertando com a professora, isso fez com que algo dentro do meu estomago se retorcesse.
Ela o fita por um tempo depois faz um gesto com a mão para que eu e Ágatha entrássemos enquanto deixo meus pensamentos correrem soltos. Ainda não acredito que a professora caiu naquele papo besta de banheiro!
Começo a puxar Ágatha para dentro enquanto tento entender o que se passou nesses curtos minutos. Tentando encaixar seu nome com algo familiar na minha memória e de repente congelo percebendo a familiaridade de seu nome com o meu melhor amigo da quarta série. Viro-me e o encaro profundamente nos olhos sentindo um enorme desconforto por tê-lo de fazer, mas percebo de relance os mesmos olhos infantis, mas sem a hostilidade que agora apresentam.
Ágatha me puxa pelo braço forçando-me a olhá-la e prestar atenção no que pronuncia, mas é difícil quando tenho tantas perguntas.
– Quem. É. Ele?
Faço um sinal negativo com a cabeça não sabendo ao certo se devo falar o que penso, pois não tenho nada confirmado, é simplesmente mais uma dúvida.
– Não sei, mas esse nome não soa familiar para você? – Sussurro puxando-a para mais perto enquanto eles prosseguem conversando na porta.
– Você o conhece? – Ela pergunta mais alto que um sussurro parando em minha frente e bloqueando qualquer imagem que poderia ter dele. – Como deixa de me apresentar uma delícia dessas? Isso deveria ser crime de pena mortal entre melhores amigas!
Reviro os olhos aproveitando para inclinar a cabeça um pouco para a esquerda, dando tempo de vê-lo entregar um papel para a professora. Logo em seguida me vem sua imagem seminua parada na beira do mar, seu semblante obscuro e assustador, a enorme tatuagem que parecia se mover por sobre sua pele, mas a imagem some no exato momento que Ágatha se põem em minha frente com um olhar de quem diz “pelo amor de Deus acaba logo com a minha angústia”.
– Olha só... – Começo a dizer. – Não tenho certeza, mas acho que ele é o Duncan nosso melhor amigo que foi embora na quarta série, lembra? – Antes que ela protestasse dizendo que não, prossigo. – Não se esqueça de que esse nome não é muito comum.
– Não. – Ela exclama na mesma hora que a professora ordena para que nos sentássemos. – Só pode estar brincando comigo. Isso é completamente impossível! Como ele conseguiu ficar tão gostoso?
Sorrio sem jeito enquanto nos direcionávamos para as classes que sobraram no fundo da sala, ainda tentando ver sentido naquilo tudo. Começo a puxar pela memória o porquê ele tinha ido embora há sete anos... De repente lembro-me de que foi porque seu avô faleceu e então foi morar com o pai em outra cidade.
Quando estou quase chegando à minha classe o ouço me chamar.
– Luna... – Ele pega em meu pulso enquanto me virava para olhá-lo. Então sussurra baixo, para que somente eu e Ágatha pudéssemos ouvir. – Onde vocês sentam? Quero ficar perto de vocês, sabe como é né? Colégio novo... – Pisca um olho para mim acabando com qualquer dúvida que tinha sobre ele ser meu antigo amigo, mas sem apagar a real cena da praia.
Sorrio sem jeito sentindo sua mão em meu pulso começar a me causar um leve desconforto, e ao mesmo tempo o calor transmitir um formigamento bom.
– Claro, mas não se esqueça de que já estudou aqui antes. – Rebato e pisco um olho para ele sem querer.
Por que pisquei para ele? Estou tentando ser sexy?! Afasto o pensamento enquanto sinto as bochechas queimarem.
Duncan sorri largo, mostrando todos os dentes brancos enquanto começamos a andar os poucos passos que faltavam para chegar as nossas classes, então percebo que todas as cabeças da sala se viram para nos olhar.
No sentamos: Ágatha a minha esquerda na fileira ao lado, enquanto Duncan sentou atrás de mim, apertando as longas pernas debaixo da classe e escorrendo o corpo para frente enquanto se encosta-se à cadeira. Está completamente relaxado e calmo sem contar que transborda um ar de autoconfiança inabalável.
Todos continuavam a nos encarar, então abaixo o rosto me sentindo envergonhada enquanto Ágatha alternava o olhar entre mim e Duncan, com o rosto tomado de perguntas.
– Tudo bem. – Gritou a professora. – Todos virando para frente, pois a aula é aqui. – Ela deu uma curta pausa olhando para nós. – Bom, temos um aluno novo, como já perceberam, seu nome é Duncan Gomes e tem dezenove anos. – Então o olhou diretamente nos olhos. – Seja bem vindo.
Bem vindo? Ela nunca é agradável com ninguém, penso comigo mesma.
– Obrigado. – Ele responde contendo um riso como se tivesse lido os meus pensamentos.
Seu riso ecoou em meu cérebro transmitindo uma onda gélida pelo corpo, a mesma sensação de quando o vi olhar para mim debaixo da chuva. Só que o olhar que me lançou aquela vez foi completamente diferente do de agora. Naquela noite era predatório e o de hoje debochado, relaxado como se fosse a primeira vez que nos vimos depois de sete anos.
Afasto a sensação e começo a retirar os materiais da bolsa, mas então o sinto se inclinar em minha direção sussurrando baixo perto do meu ouvido como se fizesse isso todos os dias desde a primeira série.
– Gostei muito de reencontrá-la depois de tanto tempo. – Sua voz rouca ecoa em minha cabeça me deixando imóvel e com a respiração entre cortada.
– Você quer dizer nos reencontrar... – Corrijo.
Ele fica dois segundos em silêncio dos quais contei mentalmente.
– É. – Concorda contrariado. – Mas sempre me dei muito melhor com você quando éramos crianças. – Pequena pausa. – E acho que irá continuar. – Sua voz ganhou um tom de deboche e interesse no final da frase.
– Ou não. – Rebato mordendo o lábio inferior para não virar para trás e piorar a situação. – Agora, por favor, me deixe estudar. – Sou rude sem querer, mas quando percebi as palavras já haviam saído como uma reação automática ao que ele disse.
– Tudo bem. – Ele ri perto da minha orelha fazendo todo meu lado esquerdo arrepiar em reação. – Temos muito tempo para conversar... – Pequena pausa e quando volta a falar sua voz está mais misteriosa e debochada. – Esse ano e quem sabe futuramente, colega.
Senti-o se afastar recostando-se novamente na cadeira enquanto continuo imóvel, sentindo os pelos de meu braço começar a se abaixar levemente.
Minha cabeça fervilha cheia de perguntas e me contenho para não virar para trás e ser mais que rude. Mas antes de fazer qualquer burrice sinto meu corpo amolecer como se estivesse descongelando aos poucos, mas meu estômago continua a se retorcer.
As perguntas amenizam a velocidade em minha cabeça, mas isso não faz com que diminua a mistura de sensações: medo, por me lembrar daquela noite, dúvida por não saber se devo esquecer tudo e começar do zero como velhos amigos e raiva, pelo tamanho de sua presunção de chegar se achando o dono do pedaço e de que todos vão o amar por ser assim.
Olho de esguelha para o lado esquerdo percebendo que Ágatha rabisca furiosamente um pedaço de papel do caderno que arrancou. Ela o dobra rapidamente e o entrega para mim, sem nem ao menos se dar ao trabalho de ver se a professora estava olhando ou de amassá-lo direito.
O pego de cima da classe e o desdobro rapidamente.
O que ele te disse? Falou sobre mim?
Obs: É injusto demais ele ter sido nosso melhor amigo.
Olha como ele é lindo!
Reviro os olhos, ainda indignada e começo a responder.
Nada importante.
Não, ele não falou sobre você e muito menos alguma coisa que fosse inteligente.
Nem se empolga muito, pois ele é um idiota... Sem contar que não é nada parecido com o nosso melhor amigo de anos atrás.
É um completo estranho.
Passo o bilhete para Ágatha enquanto começo a escrever o que a professora passara no quadro e quando percebo a bolinha de papel pousou sobre meu caderno novamente.
Como assim ele é um completo idiota? O que ele falou?
Por Madonna me conta o que ele disse.
Ah, outra coisa, acho ótimo ele não ser o mesmo de anos atrás, assim não fico com peso na consciência quando o beijando! HAHA.
Viro o rosto para Ágatha percebendo que está rindo enquanto escreve no caderno como se estivesse me vendo enfurecida. Então começo a amassar a bolinha de papel e tento a enfiar no bolso traseiro, mas sem querer a deixo cair e ela quica até os pés de Duncan. Sinto um gelo na boca do estômago subir e preencher meus pulmões, então me abaixo e tento pegar, mas é tarde demais, ele já está com ela nas mãos. Duncan encara a bolinha de papel em suas mãos com interesse evidente, mas não deixa transparecer completamente o que pensa.
– Pode me devolver? – Pergunto e tento sorrir, mas sei que saiu amarelo.
– Posso. – Responde sorrindo de canto. – Mas você não pediu “por favor,”.
Algo se contorce dentro de mim querendo que arrancasse a bolinha de suas mãos e parasse de tentar ser gentil, mas tudo se torna mais complicado com ele, como se esquecesse completamente de quem sou quando ele está por perto.
– Por favor, pode me devolver? – Peço contra a vontade enquanto Ágatha nos observa e alterando o olhar freneticamente entre nossas mãos.
Ele sorri satisfeito enquanto me avalia intensamente, então estico a mão para pegá-la quando subitamente ele a puxa de volta.
– Mas como fui seu amigo há sete anos acho que continua valendo depois, não? – Então ele começa a desdobrar a bolinha na minha frente enquanto solto um enorme “não” na sala silenciosa.
Duncan ri de leve jogando a cabeça para trás por um instante. Apresso-me para pegar a bolinha, mas ele a esconde no bolso da calça jeans enquanto meus dedos se fecham no ar.
– Algum problema Luna? – A professora pergunta.
Viro-me sentindo a adrenalina de quando descobrisse o que estava escrito ali.
– Nada. – Respondo secando a garganta. – Desculpa professora, me sobressaltei.
Contrariada ela virou-se de volta para o quadro e continuou a escrever.
Lentamente me voltei para Duncan enquanto ele sorria debochado lendo o bilhete, então levanta a cabeça fingindo surpresa enquanto leva o rosto para o bilhete e lê trechos que ali estão escritos.
– “Não falou nada inteligente”, “é um idiota”, “um estranho”... – O vejo amassar a bolinha de papel e a enfiar no bolso lateral me olhando intensamente, sorrindo debochado, achando aquilo tudo muito engraçado. – Parece que não causei uma boa impressão na minha súbita volta.
Mordo a ponta da língua e me sentindo desconfortavelmente culpada, mas ao mesmo tempo satisfeita porque havia lido o bilhete, assim sabe como ele é um idiota.
– Não era para ter lido. – Digo um pouco engasgada sentindo meu rosto mais quente que a ponta de um cigarro.
– Mas li. – Rebate sorrindo e me deixando ainda mais desconfortável com a situação. – A farei mudar de ideia ao meu respeito.
Espanto-me, mas não demonstro. Por essa não esperava, mas esse jogo é para dois e não vou sair perdendo, ainda mais para ele.
– Como? – O desafio no automático.
É estranho como ele provoca essa reação, não consigo me manter calada quando ele é tão debochado, confiante e se acha superior a tudo e a todos. Talvez esse seja o meu eu quando ele está por perto, aquele lado que não consegue reagir normalmente.
– Você irá descobrir. – Rebate piscando um olho e dando um sorriso torto, me deixando perdida enquanto volta a se recostar na cadeira.
Reviro os olhos me voltando para frente enquanto bufo revoltada, mas quando percebo, um pedaço de papel voa por cima de meu ombro e pousa sobre as folhas do fichário. Está perfeitamente dobrado como se tivesse sido calculado cada ângulo. Encaro-o não tendo certeza se quero saber seu conteúdo. Tomada pela curiosidade acabo abrindo. Ali está escrito apenas três palavras, das quais me deixaram sem chão e com mais ódio do que estava desde que colocou os pés na entrada da sala de aula.
No meu tempo.
